domingo, 24 de agosto de 2008

os herdeiros

Muitas vezes ao ler o Novo Testamento eu acabo me surpreendendo com as interpretações de textos do Antigo Testamento feitas por Jesus e pelos apóstolos. Eles sempre trazem um entendimento muito inovador sobre os relatos históricos e proféticos. Textos como Joel 2 citado por Pedro no dia do Pentecostes, Gênesis 2 citado por Paulo em 1 Coríntios 11 e diversas citações feitas por Jesus nos evangelhos, como a história de Davi e seus companheiros comendo os pães da proposição (Mateus 12), são os tipos de citações que me chamam a atenção. Por causa disso, muitas vezes quando leio o Antigo Testamento e encontro uma história difícil de entender, eu imagino como seria a interpretação de Jesus ou dos apóstolos. Um desses textos é o relato de como Jacó enganou Isaque e recebeu dele as bênçãos que deveriam ser pronunciadas a Esaú (Gênesis 27).

Jacó já havia enganado Esaú e com isso tinha roubado o direito de primogenitura. Com isso, ele conseguiu algumas vantagens que não lhe eram por direito anteriormente, mas, aparentemente, a benção patriarcal era algo mais significante do que o direito legal da maior parte da herança. A dificuldade do texto se encontra no fato de Jacó ter enganado, mentido, roubado e tudo isso em parceria com sua mãe Rebeca. A questão é que tudo isso se encaixa na vontade de Deus, sabemos isso porque Paulo esclarece que Deus amou a Jacó e se aborreceu de Esaú antes de tudo isso, além de ter prometido para Rebeca que o mais novo serviria o mais velho. É uma tarefa difícil e que demanda muito tempo colocar pecados morais em conformidade com a vontade de Deus e por isso não o farei aqui. O que eu quero focar é a questão da herança e da benção que aparentemente deveriam pertencer a Esaú, mas acabaram sendo dadas a Jacó.

Ser da descendência de Abraão era algo muito importante para os israelistas, eles falam sobre isso com muito orgulho e menosprezavam os outros povos, ou mesmo os próprios descendentes de Abraão que haviam se misturado com outras nações (os samaritanos, por exemplo). Faziam isso porque tinham o entendimento de que ser da descendência de Abraão significava ser herdeiro da aliança que Deus havia feito com o seu ancestral. Esse entendimento estava correto, mas eles erraram na interpretação de quem eram os descendentes de Abraão.

Quanto a isso, Jesus e Paulo falaram de maneira esclarecedora. Os israelitas viam a descendência como sendo algo puramente físico, algo genealógico. Mas, Jesus disse aos fariseus que se eles fossem mesmo descendência de Abraão, eles fariam as mesmas obras de Abraão (João 8:39). Por sua vez, Paulo disse que nem todos os que são de Israel, são israelitas (Romanos 9:6). Como isso esclarece a história de Esaú e Jacó? Aquele que tinha direito “legal” a herança era Esaú, assim como os descendentes genealógicos de Abraão eram participantes da aliança, mas quem decide quem será o herdeiro não é homem. A aliança e a herança de Deus é dada àqueles a quem Ele quer dar. Deus não quis dar a herança a Esaú, Ele quis dar a Jacó. Deus não quis que todos os descendentes de Abraão (Ismael, os filhos que Quetura deu a Abraão – Gen. 25 – entre outros) fossem herdeiros da Aliança.

Jesus, por meio de seu ensinamento a respeito do Reino, inaugurou um novo entendimento do que viria a ser a descendência de Abraão. Ela não seria mais, na verdade nunca foi, algo físico, não mais uma questão de quem é circuncidado na carne, mas é uma questão de quem tem o coração circuncidado. Não é descendência de Abraão aquele que pode provar por meio de sua árvore genealógica, mas quem pode provar por meio de suas obras.

Assim como Deus escolheu Jacó no lugar de Esaú, Ele também foi escolhendo outros no desenvolver da história do povo de Israel, existem alguns exemplos, creio que o mais marcante é o de Rute, uma moabita, ou seja, não era descendente de Abraão, mas que foi escolhida por Deus para fazer parte da verdadeira descendência de Abraão.

Essas escolhas de Deus não acabaram no Antigo Testamento, muito pelo contrário, talvez o tempo inaugurado por Jesus, a nova dispensação, a era da Igreja, seja o tempo em que mais podemos ver isso. Deus escolheu muitos dentre os gentios para serem participantes da herança de Abraão. A era da Igreja, é a maior prova de que a herança não pertence àqueles que têm “direito legal”, mas sim àqueles que tendo sido escolhidos por Deus, têm o “direito real” a herança de Deus. Essa herança nada tem a ver com terra prometida, descendência abundante, mas remonta a promessa feita por Deus lá em Gênesis 3:15. É a promessa da salvação, a herança da vida eterna. Poderia falar muito sobre a herança, mas neste texto, meu propósito foi falar sobre os verdadeiros herdeiros, ou seja, aqueles que são escolhidos por Deus. Pois, para ser herdeiro não depende de quem seja seu pai, sua nação, as oportunidades que você teve, sua personalidade nem nada disso; para ser herdeiro é necessário ter sido escolhido por Deus para tal, pois não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece (Romanos 9:16).

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

...se alegra com a justiça...

1 Coríntios 13 é um capítulo muito bem conhecido não somente no meio cristão, mas também entre aqueles que conhecem algum pouco a respeito da Bíblia. Acredito que esse capítulo seja muito conhecido por todos por causa do seu tema que parece tão atrativo, um assunto que parece fazer parte da vida de muitos e que poucos parecem não ter a consciência de tê-lo experimentado, a saber, o amor.

Muito do que é conhecido desse capítulo diz respeito ao lado que tem uma aparência mais sentimental do amor, fazendo com que esse conceito romantizado do amor seja fortalecido nas mentes das pessoas. Claro que essa percepção sentimental do amor é visto mais claramente por todos porque o homem tem a tendência de ver somente aquilo que lhe agrada, deixando de lado o que lhe parece discrepante com o seu próprio conceito do assunto.

Quero abordar uma característica do amor que é normalmente negligenciada. É dito no versículo seis que o amor não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Essa característica do amor não tem a menor aparência sentimental e, por isso, é esquecida. Paulo coloca a questão de uma maneira negativa, mas poderíamos dizer, de maneira positiva, que o amor se alegra na justiça.

A descrição do amor, por ser um atributo de Deus, deve estar em conformidade com o Ser de Deus. Se por acaso Paulo dissesse que o amor não é zeloso, ele estaria mentindo, pois o zelo é uma característica de Deus, sendo assim, é uma característica do amor. Se Paulo diz que o amor não se alegra com a injustiça, isso é verdadeiro porque, realmente, Deus não se alegra com a injustiça. Os atributos de Deus, e do amor, não podem ser excludentes, mas devem caracterizar os outros. Por exemplo, Deus é amor e Deus é justiça, então, o amor de Deus é um amor justo e a justiça de Deus é uma justiça de amor. Um não pode excluir o outro.

Como os atributos de Deus caracterizam um ao outro, isso torna impossível a qualquer um conhecer somente um desses atributos, se eu quero conhecer o amor de Deus, é necessário que eu também conheça a Sua justiça, afinal o amor de Deus é um amor justo. Mas, normalmente as pessoas querem conhecer somente os atributos “agradáveis” de Deus, mas isso é impossível. Isso leva a uma falta de entendimento de quem Deus é, e o que se conhece não é mais o Deus verdadeiro, mas um deus distorcido. Se não o entendimento de Deus é distorcido, com certeza o viver e suas práticas também serão.

A justiça de Deus é tão imprescindível ao Ser de Deus quanto o Seu amor. O amor jamais se sobrepõe a justiça e é por isso que Deus enviou Seu Filho para morrer, porque o pecado tinha que receber a punição devida. O amor de Deus foi demonstrado em Sua justiça e vice-versa. Assim como Deus é, assim deve ser o amor, o amor que pratica a injustiça ou mesmo se alegra com ela já não é mais amor, é um sentimento vazio, como vazio é um deus distorcido.

domingo, 3 de agosto de 2008

O ídolo do homem

Por estarmos inseridos num contexto católico, nós, cristãos brasileiros, temos a tendência de termos uma visão muito exterior da idolatria. Esse erro acaba nos cegando para o lado da idolatria que, na verdade, é a raiz dessa exterioridade que é tão praticada no catolicismo e em outras religiões pagãs. A raiz de um pecado é sempre pior do que o pecado em si, não sendo diferente neste caso, a raiz da idolatria é muito pior do que a idolatria em si, principalmente porque a raiz é sempre mais difícil de ser combatida do que o próprio ato.

Em João 12:42 é dito que alguns dos líderes dos judeus que haviam crido na pregação de Jesus não professaram tal crença publicamente. Por que eles não professaram aquilo que haviam crido? No versículo seguinte, o 43, é dada uma explicação, mas antes quero abordar um aspecto mais “palpável” dessa explicação. Já havia sido decretado que todo aquele que assumisse simpatia pelo ensino de Jesus, seria expulso da sinagoga e esta ameaça dos fariseus havia surtido efeito, pois muitos, com medo de serem excomungados do templo, um templo que já não era mais casa de oração, acabaram se calando sobre aquilo que criam. Este é o caso desses líderes, eles não queriam ser tidos como seguidores de um Mestre que era visto como blasfemo pelos fariseus. Eles não queriam ter suas imagens vinculadas com alguém que havia sido repudiado pelos principais religiosos do judaísmo, uma religião que estava morta em seus erros.

Nisto chegamos ao âmago da questão, que é a explicação dada no versículo 43. É-nos dito que a falta de profissão da crença por parte desses líderes se deve ao fato de terem amado mais a glória dos homens do que a glória de Deus. Aqui está a raiz de toda idolatria real. Como eu disse, a idolatria exterior, ou seja, a ídolos, esculturas, imagens ou o que for, na verdade tem sua raiz no fato dos homens preferirem a glória de outra coisa que não a de Deus. É muito fácil combater a idolatria exterior, é muito fácil chutar a imagem, mas difícil mesmo é arrancar do coração a idolatria de si mesmo. O ídolo do homem é o pior que existe, pois está profundamente arraigado em seu coração. A sua própria imagem, em seu conceito, vale mais do que a glória de Deus. É isso que levou esses homens a não confessarem o que criam, eles não queriam ter suas imagens “manchadas”, suas imagens eram mais importantes do que a glória de Deus.

Todas as vezes que alguém zela por sua imagem mais do que pela verdade de Deus; todas as vezes que alguém prefere manter sua estima ao invés de confessar a Jesus, essa pessoa está se colocando em posição prioritária e isso, é dito na Bíblia, é idolatria, pois prioriza a criatura e não a Deus. Em Romanos 1:25, Paulo diz que isso é adorar e servir aos seres criados e não ao Criador. Só Deus merece honra, glória e poder, se isso não é verdadeiro na sua vida, pode ter a certeza de que você é um idólatra, tanto quanto ou pior do que aqueles que adoram as imagens de escultura. O que vale mais, a decadência do homem e das coisas criadas ou a glória do grande Criador de todo o universo?